terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A geografia da água

Esse artigo é de agosto/2009, mas cada dia mais atual!! É longo, mas sua leitura mostra bem o que está sendo preparado para um futuro muito próximo para Gaia. Infelizmente.

A divisão de águas sino-indianas

Os dois países entraram em uma era de escassez constante de água


    Brahma Chellaney
    14/08/2009

Os projetos e planos da China são um lembrete de que o Tibete está no centro da divisão entre os dois países

À medida que China e Índia ganham peso econômico, atraem cada vez mais atenção internacional, na esteira da transferência em andamento de poder de influência mundial para a Ásia. Suas rivalidades e dissonâncias estratégicas encobertas, no entanto, normalmente atraem menos olhares.

Enquanto seu poder cresce, a China parece determinada a conter os concorrentes asiáticos, uma tendência refletida no endurecimento de suas atitudes em relação à Índia. Inclui-se nisso o patrulhamento agressivo pelo Exército de Libertação Popular da contestada fronteira himalaia, diversas violações da linha de controle que separa os dois gigantes, um novo estilo mais arrojado em relação ao Estado de Arunachal Pradesh, no noroeste da Índia - que a China reivindica como seu - e ataques injuriosos contra a Índia na mídia chinesa de controle estatal.

As questões que dividem a Índia e a China, entretanto, vão além de disputas territoriais. A água vem tornando-se uma questão-chave de segurança nas relações sino-indianas e uma possível fonte de uma discórdia duradoura.

China e Índia já possuem economias enfrentando problemas de água. A disseminação da agricultura irrigada e das indústrias de uso intensivo de água, somada às demandas da crescente classe média, levou a uma disputa acirrada por mais água. De fato, os dois países entraram em uma era de escassez constante de água, que, em pouco tempo, deverá igualar-se aos problemas encontrados no Oriente Médio, em termos de disponibilidade per capita.

O forte crescimento econômico poderia desacelerar-se diante de uma escassez mais grave, caso a demanda por água continue a aumentar no atual ritmo frenético, tornando China e Índia - ambos exportadores de alimentos - grandes importadores, o que acentuaria a crise alimentar mundial.

Embora a Índia tenha mais terra cultivável que a China - 160,5 milhões de hectares em comparação a 137,1 milhões - a fonte da maioria dos rios indianos importantes é o Tibete. As vastas geleiras nos platôs tibetanos, imensos mananciais subterrâneos e a alta altitude fazem do Tibete o maior depósito de água doce no mundo, depois das calotas polares. Na verdade, todos os rios importantes da Ásia, com exceção do Ganges, originam-se no planalto tibetano. Mesmo os dois principais afluentes do Ganges vêm do Tibete.

A China agora busca levar adiante grandes projetos de transferência de água entre diferentes rios e bacias no platô tibetano, que ameaçam diminuir os fluxos de rios internacionais na Índia e outros Estados que compartilham os rios. Antes de tais projetos de hidroengenharia plantarem as sementes de conflitos sobre a água, a China precisa desenvolver com os Estados cujos rios estão em partes mais baixas acordos institucionalizados de cooperação sobre os rios e bacias.

Barragens, represas, canais e sistemas de irrigação rio acima poderiam servir para transformar a água em uma arma política que poderia ser brandida abertamente em uma guerra ou de forma sutil em tempos de paz para sinalizar descontentamento com um Estado que compartilhe rios. Mesmo a recusa de conceder dados hidrológicos em temporadas de importância crítica poderia caracterizar-se como uso da água como ferramenta política. As inundações repentinas nos últimos anos em dois Estados indianos fronteiriços - Himachal Pradesh e Arunachal Pradesh - serviram como duro lembrete da falta de compartilhamento de informações da China em relação a seus projetos rio acima. Tal influência poderia, por sua vez, levar um Estado rio abaixo a desenvolver sua capacidade militar para ajudar a contrabalançar essa desvantagem.

De fato, a China vem represando a maioria dos rios internacionais que saem do Tibete, cujo frágil ecossistema já está ameaçado pelo aquecimento climático mundial. Os únicos rios sem obras de hidroengenharia até agora são o Indo, cuja bacia ocupa principalmente a Índia e Paquistão, e o Salween, que flui para Mianmar e Tailândia. As autoridades locais na província de Yuannan, contudo, estudam represar o Salween rio acima, uma região propensa a terremotos.

O governo da Índia vem pressionando a China por transparência, maior compartilhamento de dados hidrológicos e o compromisso de não redirecionar o fluxo natural de qualquer rio nem reduzir o fluxo de água entre fronteiras. Mesmo o mecanismo conjunto de especialistas - criado em 2007 meramente para a "interação e cooperação" de dados hidrológicos - mostrou-se de pouco valor.

A ideia mais perigosa sendo contemplada pela China é o redirecionamento para o norte do rio Brahmaputra, conhecido como Yarlung Tsangpo pelos tibetanos, mas que a China renomeou de Yaluzangbu. É o rio mais alto do mundo e também um dos que tem correnteza mais rápida. O desvio das águas do Brahmaputra para o rio Amarelo, morto de sede, é uma ideia que a China não discute em público, porque o projeto implica na devastação ambiental das planícies do nordeste da Índia e leste de Bangladesh e, portanto, seria equivalente a uma declaração de guerra pela água contra a Índia e Bangladesh.

Apesar disso, um livro publicado em 2005 sob benção oficial, "Tibet's Waters Will Save China" (algo como, "As Águas do Tibete Salvarão a China", em inglês), defende abertamente o redirecionamento para o norte do Brahmaputra. O desejo chinês de desviar o Brahamaputra empregando "explosões nucleares pacíficas" para construir um túnel subterrâneo por meio dos Himalaias encontrou voz nas negociações internacionais em Genebra, em meados dos anos 90, no Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT, na sigla em inglês). A China tentou, sem sucesso, eximir as explosões nucleares pacíficas do tratado, que ainda não foi colocado em vigor.

A questão não é se a China redirecionará o Brahmaputra, mas quando. Uma vez que as autoridades completem seus estudos de viabilidade e o plano de desvio for iniciado, o projeto será apresentado como fato consumado. A China já identificou a curva onde o Brahmaputra forma o cânion mais longo e profundo do mundo - logo antes de entrar na Índia - como ponto de desvio.

As ambições chinesas para canalizar as águas tibetanas para o norte são estimuladas por dois fatores: a conclusão da Hidrelétrica das Três Gargantas, que apesar das evidentes armadilhas ambientais do projeto, a China alardeia como maior feito da engenharia desde a construção da Grande Muralha; e o poder do presidente do país, Hu Jintao, cujo histórico funde dois elementos-chave - a água e o Tibete. Hu, hidrólogo de formação, deve sua rápida ascensão na hierarquia do Partido Comunista à repressão por meio de uma lei marcial brutal que promoveu no Tibete em 1989.

Os projetos e planos de hidroengenharia da China são um lembrete de que o Tibete está no centro da divisão entre Índia e China. O Tibete deixou de ser um amortecedor político quando a China anexou-o há quase 60 anos. O Tibete ainda pode ser uma ponte política entre China e Índia. Para que isso ocorra, a água precisa tornar-se uma fonte de cooperação, não de conflito.

Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Center for Policy Research, em Nova Déli. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org

http://www.valoronline.com.br/?impresso/opiniao/96/5762803/a-divisao-de-aguas-sinoindianas


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...